Inflação, combustíveis, bolsa, exportações: entenda os impactos da crise na Ucrânia para a economia brasileira

Os juros altos, a inflação em dois dígitos e o fraco crescimento econômico já vinham bastante desafiadores para a economia brasileira este ano. Agora, o possível conflito na fronteira da Ucrânia pode piorar ainda mais o cenário.

Sempre que há um conflito entre nações poderosas, há risco de aumento da inflação, com pressão nos preços e redução da oferta de produtos. Pode ocorrer também um baque no crescimento por conta do aumento dos riscos, que tende a diminuir os investimentos, derrubar os ganhos das empresas e impactar as ações.

ENTENDA

Como se não bastasse, o conflito entre Rússia e Ucrânia acontece quando a economia global ainda se recupera dos efeitos da pandemia do coronavírus, que sobrecarregou as contas e impactou os preços de energia, combustíveis e alimentação.

Quais os possíveis efeitos para o Brasil?
Para o Brasil, a situação se traduz em mais pressão sobre a inflação em momento de índices já nas alturas. Especialistas ouvidos pelo g1 lembram que a barreira de proteção do país, no momento, é a queda do dólar.

Com a valorização recente do real, itens importantes como alimentos e combustíveis estão relativamente controlados enquanto a tensão se desenrola na fronteira ucraniana.

Mas há dois problemas: a alta dos juros freia ainda mais a perspectiva de crescimento econômico e uma aversão a risco mais intensa tende a trazer impacto mais sério a economias emergentes.

Combustíveis e inflação
A tensão na fronteira ucraniana renova preocupações com os preços das commodities, em especial o petróleo. Para o Brasil, a valorização do barril do tipo Brent desde o início da pandemia foi um responsáveis pela inflação pelo efeito nos preços da gasolina e do diesel.

Para o economista Juan Jensen, sócio da 4E Consultoria, o principal impacto para o Brasil é justamente via petróleo e preço dos combustíveis e isso, por si só, não afeta tanto a recuperação brasileira.

Como o g1 mostrou ao longo do ano passado, os combustíveis sofreram seguidos choques com o aumento dos preços do petróleo no mercado internacional e também com o real desvalorizado frente ao dólar.

O preço do barril de petróleo teve média de US$ 44 em 2020 e chegou a US$ 70 no ano seguinte. O agravamento do conflito na Rússia deu novo impulso aos preços do insumo, que esbarram agora nos US$ 100.

Diferente dos anos anteriores, contudo, 2022 vem sendo marcado pela entrada de dólares no país, fortalecendo o câmbio aos poucos. Até o fechamento do mercado na segunda-feira (21), a moeda americana registra queda de 8,39% no ano, negociando próximo aos R$ 5,10.

Com o petróleo subindo de um lado, mas o dólar caindo do outro, forma-se uma gangorra que mantém os preços com certa estabilidade.

Por isso, para Roberto Motta, chefe da mesa de derivativos da Genial Investimentos, a “defesa” do Brasil contra um impacto nos combustíveis foi a elevação agressiva da taxa Selic, que cria um diferencial de juros que volta a ser atrativo para o investidor estrangeiro.

A meta central de inflação para 2022 é de 3,50% e será oficialmente cumprida se o índice oscilar entre 2% e 5%. Mas o boletim Focus, sondagem semanal do BC com economistas do mercado financeiro, a projeção é de 5,56%, um novo rompimento do teto e que explica o “pé no acelerador” da subida de juros.

Também de acordo com o Focus, a projeção da Selic está em 12,25% ao ano para o fim de 2022, contra os atuais 10,75%. O aperto dos juros é a forma de compensar uma política fiscal de gasto mais intensa em ano eleitoral.

Bolsa e dólar
Em geral, conflitos geopolíticos provocam reação imediata dos mercados internacionais. A particularidade da tensão entre Rússia e Ucrânia é que as atividades têm sido anunciadas passo a passo desde o fim de 2021, espalhando o impacto nas bolsas.

Outra contribuição relevante é o aumento de juros dos Estados Unidos, que tem agora mais um evento inflacionário para influenciar a análise do Federal Reserve.

Mas, surpreendentemente, a bolsa brasileira reage positivamente e bolsas estrangeiras têm quedas comedidas. Em suma, a reação é que o mercado já vinha se preparando para um evento mais determinante, como o reconhecimento das províncias separatistas na Rússia.

Além disso, a bolsa brasileira tem uma participação enorme de empresas exportadoras de commodities, como Vale, Petrobras, Suzano e tantas outras. Um aumento da demanda traria bons resultados e valorizaria os preços dos papéis. Resultado foi a entrada de mais de US$ 50 bilhões na bolsa neste ano.

A discussão, então, volta a se fixar nos próximos passos. Roberto Motta, da Genial, diz que o conflito chegou a um ponto de não retorno, em que o presidente russo Vladimir Putin não poderia retroceder sem alguma conquista. Para ele, a independência das repúblicas separatistas pró-Rússia no leste da Ucrânia, Donetsk e Luhansk, pode ser esse “troféu”.

“Os pêndulos serão Alemanha e França. A Alemanha é mais industrializada e consome energia, vai ser dependente desses preços e vai ter que instaurar sanções que sejam razoavelmente bem aceitas para não ver novas escaladas no conflito”, prossegue.

Não parece ser esse o curso das atitudes, por ora. O chanceler alemão, Olaf Scholz, anunciou nesta terça-feira a suspensão da autorização para o gasoduto Nord Stream 2, que liga a Rússia à Alemanha. O gasoduto aumentaria o abastecimento de gás russo à Europa, no momento em que a produção própria registra queda.

Apesar de tirar proveito das commodities, uma intensificação do conflito pode ser negativa para o Brasil.

Exportações
A Rússia não é um dos grandes parceiros comerciais do Brasil. Não há, portanto, um impacto direto nas exportações brasileiras. É fundamental, contudo, estar atento às reações da China em meio ao aumento das tensões geopolíticas na região.

A China, sim, é o maior parceiro comercial do Brasil e tradicionalmente tem um alinhamento com o governo russo.

Matéria G1